Viajar nos Livros - Costa da Caparica, Portugal
- Sardine Ana

- 19 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de jun.
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Livros

📖Calamento - Romeu Correia | 🌍 Costa da Caparica, Portugal 1949
Calamento
por Romeu Correia

"Calamento" "ato de calar" ou "conjunto das cordas precisas para puxar para terra as redes de pesca de arrasto", talvez se calem quem da pesca vive devido ao peso que carregam em si ao puxar pela vida.
O livro da minha terra, das minhas raízes, o livro em que enquanto lia via exactamente os sitios e ouvia as pessoas falarem como se fosse hoje. Um livro que nos faz viajar a uma realidade portuguesa que se vivia em muitas das nossas costas, mas nesta Costa, é hoje ainda uma realidade viva nas memórias de muitos e na fala corrente neste sotaque e expressões tão nossas.
O "Calamento" fala-nos das histórias dos Pescadores e das suas mulheres e crianças. Estes "homes", mulheres e "crienças" que apenas podiam contar com as suas mãos e com a fé, sobreviviam com o que a terra e o mar lhes dava. A vida descrita mostra-nos a dicotomia da vida na praia - a Vida dos Pescadores para quem a praia é à sua vida, o seu sustento e a muitas vezes o seu fado e a Vida dos Banhistas para quem a praia é o seu escape e as suas férias. Não existem um sem o outro num equilíbrio precário onde o dinheiro é rei e quem o tem come e quem não o tem morre.
A praia é hoje muito diferente mas já em 1949 a sua sina estava traçada:
"Há anos a esta parte a praia, a sua praia, morria lentamente. Tudo o que os seus olhos enxergavam de um formato e qualidade, sumia-se com o rodar do tempo. Eram pedreiros de rocha-acima a abrir caboucos, paredes de pedra e cal a tomar formas de janelas e portas; vigamentos, rijamente martelados e cobertos de telhas vistosas. (...) Meia dúzia de anos e a praia da Costa da Caparica levara uma volta dos demónios. Que espanto para quem se lembrasse das choupanas de junco e colmo, aqui e ali, familiarmente, no areal! Fora bem outra a velha Costa: ao norte, os de Ílhavo; ao sul, os algarvios - e todos vivendo das safras, é certo, mas sozinhos."
A praia velhinha no seu paradoxo belo e cruel, transformou-se ao longo dos anos, numa batalha entre areia, pedra e cal, onde os nativos mesmo com as suas diferenças, se juntavam na defesa do pouco que era (é) seu: areia e água salgada, a sua "ilha do sumiço". Um livro que continua atual com a realidade do que se passa nesta cidade-aldeia:
"Dantes, vivíamos em palhotas, mas éramos só nós! Cá nos arremediávamos...e inté o mar era mais pescarejo! Agora...é o que tá à vista: contruções e mais contruções, foguetes e mais foguetes e o stupor da praia cada vez mais imbruxada!... Que m'importa a mim qu'isto tanha o rótulo de cedade, que qualquer dia façam pra'aí um campo pra òrplanos, luxos e mais luxos, se tamos todos na penúria!?"
Esta realidade faz-nos pensar em todas as realidades locais para onde viajamos e no impacto que isso tem no local e nos seus locais. Será que estamos a deixar o local como o encontramos ou será que o nosso peso esmaga a cada dia quem vive dessa realidade? Como equilibrar a frágil dualidade simbiótica entre o "Pescador" e o "Banhista" em qualquer lugar do mundo?
Calamento, um livro cru das estórias de vida do povo - a fome, a violência doméstica, a vida dura do mar, a fé, e aquilo que define o que ainda hoje é uma tradição viva na Costa da Caparica a Vida da Arte Xávega e a luta pela sobrevivência e escape à pobreza. É uma ode popular à Costa da Caparica e às suas gentes que, com todo o seu património cultural, dizem "cá me arremedeio e de fome já macostumei a nã morrer".
Se quiseres visitar a Costa da Caparica comigo e conhecer histórias locais, espreita a minha página: Visitas Guiadas ou Contacta-me diretamente! Lembra-te: sai sempre da tua lata!
Sempre vossa,
Uncanned Sardine






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